COVID-19 é horrível. Mudança Climática pode ser pior.

Mas existem algumas lições da crise atual que pode guiar nossa resposta à próxima.

«  Por: Bill Gates

«  Data: 4 de Abril de 2020

«  Tradução: Gustavo Pinent (livre)

«  Fonte: https://www.gatesnotes.com/Energy/Climate-and-COVID-19

Notas do tradutor

Este artigo foi publicado a quase um ano atrás e, tragicamente, é bastante atual, especialmente para o Brasil. Suas afirmações sobre gases do efeito estufa são verificáveis agora, segundo o IPCC a concentração de CO2 continuou crescendo mesmo com o breve hiato na produção industrial em função do lockdown. Também é bastante precisa sua projeção sobre a pandemia.

Ainda que o país esteja entrando em uma espiral de pandemia sem controle, os problemas principais são os mesmos: o negacionismo, a pobreza em seus vários aspectos, a ganância entre outros. Combater pandemias e catástrofes climáticas terminam por unir esforços contra problemas comuns.

Seguindo sugestões ao artigo original, a imagem de ilustração foi trocada por uma usina elétrica a carvão, já que a original era uma usina nuclear.

Por fim, vale ler um artigo de um autor que antecipou a pandemia, Mudança Climática entre outras graves ameaças às nossas sociedades.

Artigo na íntegra

Uma crise global tem chocado o mundo. Está causando um trágico número de mortes, deixando as pessoas com medo de sair de casa, e gerando dificuldades econômicas não vistas há muitas gerações. Os efeitos se propagam em ondas ao redor do mundo.

Estou, obviamente, falando da COVID-19. Mas dentro de apenas algumas décadas, a mesma descrição servirá para outra crise global: Mudança Climática. Se essa pandemia é horrível, Mudança Climática pode ser pior!

Eu percebi que é difícil pensar sobre problemas como Mudança Climática neste momento. Quando um desastre ocorre, é da natureza humana se preocupar apenas com as necessidades mais imediatas, especialmente quando o desastre é tão ruim como a COVID-19. Mas o fato de temperaturas dramaticamente mais altas parecerem uma realidade distante não diminui o problema - e a única forma de evitar as piores consequências climáticas ainda por vir é acelerar os esforços agora. Simultaneamente ao trabalho para superar a novela do coronavírus e para se recuperar dela, é preciso que atuemos para evitar um desastre climático através da criação e implementação de inovações que nos leve a eliminar emissões de gases do efeito estufa.

Você talvez tenha visto projeções onde, em função da redução tão drástica da atividade econômica, o mundo irá emitir menos gases do efeito estufa este ano, em relação ao ano passado. Ainda que essas projeções sejam verdade, sua relevância no combate à Mudança Climática tem sido exagerada.

Analistas divergem sobre o quanto as emissões irão reduzir este ano, mas a Agência Internacional de Energia menciona uma redução na ordem de 8%. Na prática, isto significa que vamos emitir cerca de 47 bilhões de toneladas de carbono ao invés de 51 bilhões.

Essa é uma redução significativa e estaríamos muito bem se pudéssemos continuar com essa taxa de redução a cada ano. Infelizmente, não podemos.

Considere o que é necessário para esses 8% de redução - mais de 600 mil pessoas morreram e dezenas de milhões perderam seus empregos. Em Abril, a circulação de automóveis foi a metade de 2019. Por meses o tráfego aéreo virtualmente parou.

“O que é notável não é quanta emissão diminuirá por causa da pandemia, mas quão pouco.”

Para dizer o mínimo, essa não é uma situação que alguém queira manter, sendo que estamos no caminho para emitir 92% da quantidade de carbono que emitimos no ano passado. O que é notável não é o quanto as emissões diminuirão por causa da pandemia, mas quão pouco.

Além disso, essas reduções estão sendo alcançadas, literalmente, ao maior custo possível.

Para ver o porquê, vejamos quanto custa evitar uma única tonelada de gases de efeito estufa. Este valor - o custo por tonelada de carbono evitado - é uma ferramenta que os economistas usam para comparar o custo de diferentes estratégias de redução de carbono. Por exemplo, se você tem uma tecnologia que custa US$ 1 milhão e o uso permite evitar a liberação de 10.000 toneladas de gás, você está pagando US$ 100 por tonelada de carbono evitada. De fato, US$ 100 por tonelada ainda seria muito caro. Mas muitos economistas acham que esse preço reflete o verdadeiro custo dos gases de efeito estufa para a sociedade, e é também um número redondo memorável que é uma boa referência para discussões.

Agora consideremos o desligamento causado pelo COVID-19 como se fosse uma estratégia de redução de carbono. O fechamento de partes importantes da economia evitou emissões em algo próximo a US$ 100 por tonelada?

Não. Nos Estados Unidos, segundo dados do Grupo Rhodium, ficou entre US$ 3.200 e US$ 5.400 a tonelada. Na União Europeia, é aproximadamente a mesma quantia. Em outras palavras, a paralisação está reduzindo as emissões a um custo entre 32 e 54 vezes os US$ 100 por tonelada que os economistas consideram um preço razoável.

“Para entender o tipo de dano que a mudança climática irá infligir, olhe para COVID-19 e considere a dor por um período muito mais longo.”

Se você quiser entender o tipo de dano que a mudança climática irá infligir, olhe para COVID-19 e considere a dor por um período de tempo muito mais longo. A perda de vidas e a miséria econômica causada por esta pandemia estão no mesmo nível do que acontecerá regularmente se não eliminarmos as emissões de carbono do mundo.

Vejamos primeiro a perda de vidas. Quantas pessoas serão mortas pelo COVID-19 em comparação com as mudanças climáticas? Como queremos comparar eventos que acontecem em diferentes momentos - a pandemia em 2020 e as mudanças climáticas em, digamos, 2060 - e a população global mudará nesse período, não podemos comparar o número absoluto de mortes. Em vez disso, usaremos a taxa de mortalidade: isto é, o número de mortes por 100.000 pessoas.

Na semana passada, mais de 600.000 pessoas morreram de COVID-19 em todo o mundo. Em uma base anual, essa é uma taxa de mortalidade de 14 por 100.000 pessoas.

Como isso se compara às mudanças climáticas? Nos próximos 40 anos, projeta-se que aumentos nas temperaturas globais aumentem as taxas de mortalidade globais na mesma proporção - 14 mortes por 100.000. No final do século, se o crescimento das emissões continuar alto, as mudanças climáticas podem ser responsáveis por 73 mortes extras por 100.000 pessoas. Em um cenário de emissões mais baixas, a taxa de mortalidade cai para 10 por 100.000.

Em outras palavras, em 2060, a Mudança Climática pode ser tão mortal quanto COVID-19, e em 2100 pode ser cinco vezes mais mortal.

O quadro econômico também é desolador. A gama de prováveis impactos das mudanças climáticas e do COVID-19 varia bastante, dependendo do modelo econômico que você usa. Mas a conclusão é clara: nas próximas duas décadas, o dano econômico causado pela Mudança Climática provavelmente será tão ruim quanto uma pandemia do tamanho de COVID a cada dez anos. E, no final do século, será muito pior se o mundo continuar em sua atual trajetória de emissões.

(Se você estiver curioso, aqui está a matemática. Modelos recentes sugerem que o custo da mudança climática em 2030 será provavelmente cerca de 1 por cento do PIB da América por ano. Enquanto isso, as estimativas atuais para o custo do COVID-19 para os Estados Unidos este ano varia entre 7 por cento e 10 por cento do PIB. Se assumirmos que uma interrupção semelhante ocorre uma vez a cada dez anos, isso é um custo médio anual de 0,7 por cento a 1 por cento do PIB - aproximadamente o equivalente aos danos das mudanças climáticas.)

“Se aprendermos as lições do COVID-19, podemos abordar as mudanças climáticas mais informados sobre as consequências da falta de ação.”

O ponto principal não é que a Mudança Climática será desastrosa. O ponto principal é que, se aprendermos as lições do COVID-19, podemos abordar as mudanças climáticas mais informados sobre as consequências da falta de ação e mais preparados para salvar vidas e prevenir o pior resultado possível. A atual crise global pode informar nossa resposta à próxima.

Em particular, devemos:

  1. Permitir que a ciência e a inovação mostrem o caminho. O pequeno e relativo declínio em emissões neste ano deixou uma coisa clara: não conseguiremos ir a zero emissões simplesmente – ou preponderantemente – voando menos e dirigindo menos.

    Of course, cutting back is a good thing for those who can afford to do it, as I can. And I believe that many people will use teleconferencing to replace some business travel even after the pandemic is over. But overall, the world should be using more energy, not less—as long as it is clean. 

    É claro que os cortes são uma coisa boa para aqueles que podem fazê-lo, como eu posso. E acredito que muitas pessoas vão usar teleconferências para substituir algumas viagens de negócios mesmo após a pandemia acabar. Mas em geral, o mundo deve seguir demandando mais energia, não menos – contanto que seja limpa.

    Portanto, assim como precisamos de novos testes, tratamentos e vacinas para o novo coronavírus, precisamos de novas ferramentas para combater as mudanças climáticas: geração de eletricidade com zero carbono, bem como produzir coisas, cultivar alimentos, manter nossos edifícios frios e aquecidos e mover pessoas e mercadorias em todo o mundo. E precisamos de novas sementes e outras inovações para ajudar as pessoas mais pobres do mundo – muitas das quais são pequenos agricultores – a se adaptarem a um clima menos previsível.

    Qualquer resposta abrangente às mudanças climáticas terá que recorrer a muitas disciplinas diferentes. A ciência do clima nos diz por que precisamos lidar com esse problema, mas não como lidar com ele. Para isso, precisaremos de biologia, química, física, ciência política, economia, engenharia e outras ciências.
  2. Certifique-se de que as soluções funcionarão também para os países pobres. Ainda não sabemos exatamente o impacto que a COVID-19 terá sobre as pessoas mais pobres do mundo, mas estou preocupado que, quando isso acabar, eles terão sofrido o pior. O mesmo vale para as mudanças climáticas. Isso prejudicará mais as pessoas mais pobres do mundo.

    Considere o impacto do clima nas taxas de mortalidade. De acordo com um estudo recente publicado pelo Climate Impact Lab, embora as mudanças climáticas aumentem a taxa de mortalidade global, a média geral obscurecerá uma enorme disparidade entre países ricos e pobres. Mais do que em qualquer outro lugar, a Mudança Climática aumentará drasticamente as taxas de mortalidade em países pobres próximos ou abaixo do Equador, onde o clima ficará ainda mais quente e imprevisível.

    O padrão econômico provavelmente será semelhante: uma queda modesta no PIB global, mas quedas maciças nos países mais pobres e quentes.

    Em outras palavras, os efeitos da Mudança Climática quase certamente serão mais severos do que os do COVID-19 e serão os piores para as pessoas que menos fizeram para causá-los. Os países que mais contribuem para este problema têm a responsabilidade de tentar resolvê-lo.

    Além disso, as fontes limpas de energia precisam ser baratas o suficiente para que países de baixa e média renda possam comprá-las. Essas nações buscam aumentar suas economias com a construção de fábricas e call-centers; se esse crescimento for movido a combustíveis fósseis – que agora são de longe a opção mais econômica – será ainda mais difícil chegar a emissões zero.

    Quando houver uma vacina para o coronavírus, organizações como a GAVI estarão prontas para garantir que ela atinja as pessoas mais pobres do mundo. Mas não existe GAVI para energia limpa. Portanto, governos, inventores e empreendedores em todo o mundo precisam se concentrar em tornar as tecnologias verdes baratas o suficiente para que os países em desenvolvimento não apenas as desejem, mas também possam comprá-las.
  3. Comece agora. Ao contrário do novo coronavírus, para o qual acho que teremos uma vacina no próximo ano, não há solução de dois anos para as mudanças climáticas. Levará décadas para desenvolver e implantar todas as invenções de energia limpa de que precisamos.

    Precisamos criar um plano para evitar um desastre climático – usar as ferramentas de carbono zero que temos agora, desenvolver e implantar as muitas inovações de que ainda precisamos e ajudar os mais pobres a se adaptarem ao aumento de temperatura que já está sacramentado. Embora eu esteja gastando a maior parte do meu tempo atualmente no COVID-19, ainda estou investindo em novas tecnologias promissoras de energia limpa, criando programas que ajudarão a escala de inovações em todo o mundo e defendendo que precisamos investir em soluções que limitarão o piores impactos das mudanças climáticas.

    Alguns governos e investidores privados estão provisionando o financiamento e promovendo as políticas que nos ajudarão a chegar a zero emissões, mas precisamos ainda mais para participar. E precisamos agir com o mesmo senso de urgência que temos para com a COVID-19.

Os defensores da saúde nos disseram por durante anos que uma pandemia era virtualmente inevitável. O mundo não fez o suficiente para se preparar e agora estamos tentando recuperar o tempo perdido. Este é um alerta para as mudanças climáticas e nos aponta para uma abordagem melhor. Se começarmos agora, explorar o poder da ciência e da inovação e garantir que as soluções funcionem para os mais pobres, poderemos evitar cometer o mesmo erro com as mudanças climáticas.